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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Jesus Cristo, obstáculo ao diálogo religioso?

Pr. Esdras Bentho

“É possível manter tudo o que a fé cristã confessa de Jesus Cristo sem incorrer em uma atitude de superioridade e tornar impossível o diálogo inter-religioso?”. Essa pergunta-chave a respeito do tema em epígrafe está no epicentro das controvérsias cristológicas da modernidade. 
Duas principais correntes se destacam no debate teológico. A primeira procura “des-absolutizar a cristologia” apresentando Jesus apenas como uma “manifestação salvífica de Deus, mas não o realizador da mesma”. A segunda, diametralmente oposta, não apenas afirma que Jesus é a manifestação salvífica, mas o próprio realizador exclusivo, singular e definitivo da salvação. Esta última conforma-se à Escritura, à Tradição e às formulações da fé cristã, enquanto aquela encontra seus fundamentos no pluralismo e na ciência da religião. 
A recepção e interpretação dos dados da revelação na experiência humana se constituem o leitmotiv da querela. Visto que a experiência salvífica de Deus transcende ao homem e se revela como mistério, não haverá uma expressão que a esgote e seja absolutamente adequada. Contudo, a partir de certo horizonte sócio-cultural mediatizada por perguntas que se fazem no contexto e das categorias explicativas disponíveis na ocasião, é possível “balbuciar o mistério salvífico”. Tal foi a tentativa dos Concílios universias da igreja em formular para sua época uma expressão inteligível dos mistérios da fé, como também se propõe (ou deveria se propor) a apologética moderna.
No atual debate do diálogo inter-religioso a pessoa de Jesus Cristo torna-se mais uma fez o foco. Historicamente, o cristianismo tem afirmado a exclusividade e a singularidade da salvação mediatizada e realizada por Jesus. E muito embora se reconheça uma ação da Trindade Econômica para além das fronteiras cristãs, os cristãos não admitem de maneira semelhante mediadores salvíficos na mesmíssima categoria de Jesus Cristo noutras religiões. Essa posição da fé cristã tem sido atenuada e posta em dúvida na modernidade para possibilitar o diálogo inter-religioso. Teólogos como R. Panikkar, M. Amadoss, R.Haight, P. Knitter e J. Hick entendem essa exclusividade como uma forma de superioridade e intransigência do cristianismo que impede o diálogo com outras religiões. Esses teólogos reinterpretam o caráter “único” de Jesus Cristo e o caráter “universal” de sua salvação, como um “símbolo cristão de toda realidade” (Panikkar), “ação universal do Logos não localizado num só ponto” (Amadoss), “presença de outros salvadores além de Jesus Cristo” (Haight/ Knitter), ou “capacidade de outros seres humanos poderem manifestar e mediatizar como Jesus o amor Deus” (Hick). 
Todos esses teólogos reduzem e atenuam a revelação de Deus em Jesus Cristo e a singularidade da salvação por Ele mediatizada e efetuada. Todavia, suas teorias podem ser refutadas. A pretensão desses teóricos é simpática, mas não suficiente. Vejamos:
Primeiro, pela natureza pecaminosa dos supostos mediadores que por sua labilidade, pecaminosidade, egoísmo, interesse próprio e cobiça “turvam, deformam e falsificam a ação de Deus”.
Segundo, embora o Espírito de Deus tenha agido fora dos limítrofes do cristianismo ninguém ou nenhum suposto mediador, líder ou sábio (Yajnavalkya no hinduísmo; Mahavira no jainismo; Siddartha Gautama no budismo; Lao-tsé no taoísmo, etc.) recebeu-O ou acolheu-O totalmente e de um modo único como Jesus Cristo.
Terceiro, ao se verificar afundo essas religiões acima percebe-se como sua economia salvífica distingue-se da cristã, enfatizando obras e auto-conhecimento (karma marga e jnana marga no hinduísmo, por exemplo), purificação por meditação e ascetismo (jainismo), a negação de um divindade e o reconhecimento do próprio líder como divino (jainismo cujo líder Mahavira, o vigésimo-quarto tirthankara, negava a ideia de um ser suprema mas foi deificado por seus seguidores), entre outras questões cuja natureza e objeto não apenas distingue-se da salvação cristã em Cristo como também se opõe a revelação de Deus em Cristo.
Quarto, aceitar novos mediadores na mesma categoria de Jesus Cristo é negar o núcleo da fé cristã. Jesus não é apenas mais alguém na história que revela alguma coisa de Deus na imperfeição própria da condição humana. Ele é o único Salvador, não somente mediação manifestativa ou normativa, mas constitutiva da salvação. Ele é o Filho de Deus e por isso mediador único e universal da salvação e do próprio Deus. Jesus é uma pessoa concreta da revelação única e exclusiva de Deus e não uma expressão contextualizada dessa revelação.
Quinto, a ação do Espírito Santo como testemunhado pelas Escrituras não se acha da mesma forma ou equivalentes noutras religiões. Ele se manifesta fora do corpo visível da Igreja, mas não atua nos adeptos dessas religiões como ministra aos fiéis em Cristo, transformando-os em “outros Cristos”, “filhos no Filho”, assumindo a natureza concreta de Jesus. 
Deste modo não há qualquer soberba, intransigência ou superioridade ao se afirmar que Jesus Cristo é o único realizador da salvação. Se é verdade que esta expressão da fé cristã tenha sido usada arrogantemente na história, como forma de dominação e eliminação de outras religiões, igualmente é verdadeiro que esse não foi o procedimento de Jesus Cristo. Ele esteve sempre próximo dos marginalizados, dos excluídos, dos pobres. Ele não discriminava ninguém por sua etnia, classe social, riqueza e privilégios. Jesus sempre revelou o amor incondicional de Deus pelo ser humano. Como, portanto, pode ser arrogante afirmar a salvação exclusivamente naquele que a todos amou indistintamente? Que prepotência pode haver naquele cuja natureza, missão e serviço são declarados positivamente em Filipenses 2? Assim como devemos separar a pedra do diamante, o ouro de sua impureza, devemos distinguir Jesus Cristo das expressões históricas do cristianismo.
Esdras Costa Bentho
Mestre em Teologia, PUC,RJ

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